CNH (Carteira Nacional de Habilitação) (Rodrigo Sanches/Exame)
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Publicado em 11 de junho de 2025 às 15h00.
Por Marcio Liberbaum*
Nos últimos 10 anos, o Brasil assistiu à consolidação de uma eficiente política de saúde e segurança pública: o exame toxicológico. Com a aprovação do Projeto de Lei 3965/2021 na Câmara dos Deputados, que amplia a exigência do exame para quem deseja obter a primeira Carteira Nacional de Habilitação (CNH) nas categorias A e B - incluindo motoristas não profissionais -, o debate volta ao centro das atenções em um cenário muito diferente daquele de dez anos atrás.
A proposta, aprovada pelo Senado Federal em dezembro de 2024 e pela Câmara em maio de 2025, tem como principal motivação a prevenção ao uso de drogas e a garantia de padrões elevados de segurança no trânsito. Outra previsão do texto é que recursos arrecadados com multas de trânsito sejam usados para financiar a CNH de pessoas de baixa renda.
Por trás da nova legislação, no entanto, há uma ampla trajetória de construção social, dados concretos e impacto positivo na mobilidade urbana brasileira – o que contribuiu para mudar a mentalidade de agentes públicos que poderiam duvidar do potencial do exame toxicológico.
A discussão sobre o exame toxicológico como medida preventiva ganhou força nos anos 2010. Em maio de 2014, uma pesquisa do IBOPE revelou que 90% da população brasileira já era favorável à exigência do exame para motoristas profissionais. Um ano depois, o índice subiu para 92% – o que demonstrava o desejo da população por um mecanismo como esse.
A aprovação popular antecipada ajudou a pavimentar o caminho para a mudança legislativa que viria em 2015, que tornou o exame obrigatório para condutores das categorias C, D e E – ou seja, motoristas de caminhões, ônibus e vans - a partir de março do ano seguinte. Mesmo com os desafios iniciais da implementação, a adesão da sociedade se manteve firme: naquele ano, a aprovação ao exame foi de 89%. Três anos depois, em 2019, uma nova pesquisa do IBOPE mostrou que 93% dos brasileiros defendiam a manutenção da medida.
A aprovação social, embora relevante, não bastaria se não viesse acompanhada de resultados concretos. Entre 2015, antes da obrigatoriedade, e 2017, após a sua adoção, os acidentes envolvendo caminhões caíram 34%. Já os envolvendo ônibus, 45%. Nesse período, não houve mudanças significativas em políticas de infraestrutura ou de fiscalização. A única variável nova na equação foi a obrigatoriedade do exame toxicológico.
Além da função preventiva, o exame toxicológico também demonstrou potencial como ferramenta de saúde pública. Segundo dados da Associação Brasileira de Toxicologia (ABTox), entre 2016 e 2019, mais de 28 mil motoristas que inicialmente testaram positivo para substâncias psicoativas retornaram, após tratamento e reabilitação, com testes limpos — e recuperaram sua aptidão profissional.
A ampliação da obrigatoriedade para obtenção da primeira habilitação nas categorias A e B, tema do PL 3965/2021, é vista por seus defensores como um o natural. Isso se dá porque o trânsito é a principal causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Um dos pontos que poderiam ser sensíveis na proposta, o custo do exame, também foi endereçado no projeto. A preocupação, porém, não se sustenta; na média, o exame toxicológico custa menos de 10 centavos por dia ao redor do Brasil. O exame não é custo. É um investimento imaterial feito pelo cidadão para obter, do estado, o direito de dirigir nas vias brasileiras. Além disso, o exame gera grande economia, direta e indireta, para os cofres públicos e para a população - seja pelas vidas preservadas, seja pelos custos próprios dos acidentes evitados.
Somente a subtração do PIB, por exemplo, promovida pela acidentalidade, que era da ordem de 214 bilhões de reais ao ano em 2016, caiu para 140 bilhões no primeiro ano de aplicação plena do exame, um ganho de 74 bilhões de reais por conta do não afastamento de profissionais do trânsito, antes impedida de produzir por conta do alto índice de acidentes - que caiu em quase 45% após a obrigatoriedade do exame.
Ao permitir que recursos de multas de trânsito sejam usados para financiar a CNH de cidadãos de baixa renda, o PL também torna a política mais equitativa e ível.
O exame toxicológico se consolidou, ao longo dos anos, como uma decisiva ferramenta incorporada à estratégia para manutenção da saúde no trânsito - e que pode, também, ser adotado como política de segurança pública. Dados sobre a redução de acidentes, recuperação de motoristas e apoio consistente da população indicam que a medida teve impacto e aceitação.
A aprovação do PL 3965/2021 na Câmara dos Deputados, que amplia o exame para novos condutores, reacende o debate público, mas o histórico da medida oferece elementos suficientes para comprovar seu relevante papel social nos últimos nove anos.
*Marcio Liberbaum é presidente do Instituto de Tecnologias para o Trânsito Seguro (ITTS).
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