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Gestão Sustentável: destravar o financiamento climático dependerá de grandes reformas

Brasil, África do Sul e Espanha defendem reformas nos bancos multilaterais de desenvolvimento para permitir a transição climática até 2030

Sem ajustes, o custo da inação continuará socializado entre os mais vulneráveis (Tirachard/Getty Images)

Sem ajustes, o custo da inação continuará socializado entre os mais vulneráveis (Tirachard/Getty Images)

Danilo Maeda
Danilo Maeda

Diretor-geral da Beon - Colunista Bússola

Publicado em 13 de junho de 2025 às 15h00.

A urgência de reformar o sistema financeiro internacional ganhou novo fôlego quando Brasil, África do Sul e Espanha — anfitriões do G20, da COP 30 e da 4ª Conferência da ONU sobre Financiamento para o Desenvolvimento (FfD 4) — assumiram a defesa conjunta de mudanças profundas nos bancos multilaterais de desenvolvimento (BMDs) e nos instrumentos de dívida soberana. Os três líderes sustentam que a arquitetura financeira global “precisa dar mais voz aos países do Sul Global e garantir o mais justo e previsível a recursos”.

A transição climática demanda capitais da ordem de trilhões de dólares, mas o desenho atual dos BMDs restringe empréstimos exatamente onde o capital é mais necessário: mercados emergentes e países de baixa renda. Segundo a Climate Policy Initiative (I), o fluxo anual de financiamento climático terá de crescer cinco vezes, para algo em torno de US$ 7,4 trilhão até 2030, se quisermos manter o aquecimento em 1,5 °C. Enquanto isso, apenas 4 % dos compromissos dos BMDs hoje assumem a forma de garantias — instrumento capaz de alavancar até cinco vezes mais capital privado do que empréstimos tradicionais.

O princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas (CBDR-RC) está no coração do Acordo de Paris. Reformar o sistema financeiro é coerente com esse princípio: quem mais emitiu gases de efeito estufa historicamente — e domina o capital votante nas instituições de Bretton Woods — deve assumir parcela maior do risco financeiro da transição. Não se trata de criar dependência, mas de reconhecer diferentes pontos de partida e oferecer condições equitativas para que todos cumpram sua parte.

O papel (irrenunciável) do setor privado

Mas o dinheiro público, mesmo em volumes recordes, não cobrirá o gap de financiamento climático. É indispensável mobilizar investimento privado por meio de mecanismos que reduzam riscos e ampliem a atratividade dos projetos verdes. Nesse sentido, três caminhos se destacam:

  • Garantias verdes reduzem risco-país e risco cambial, tornando projetos em mercados emergentes financeiramente viáveis e podendo alavancar até cinco vezes mais recursos privados.
  • Blended finance combina concessionalidade pública com retornos de mercado, criando plataformas para a entrada de investidores institucionais que buscam metas ESG.
  • Títulos de transição e de resiliência canalizam capital de mercado para iniciativas de mitigação e adaptação, alinhando metas de descarbonização com o fortalecimento de infraestruturas diante de eventos climáticos extremos.

Alguns sinais de avanço já surgem: o Banco Mundial ou a centralizar 17 produtos de garantia em uma única plataforma e pretende triplicar a emissão anual para US$ 20 bilhões até 2030; e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) disponibilizará 3,4 bilhões de dólares para operações com derivativos que forneçam hedge (proteção) de projetos sustentáveis de prazos superiores a dez anos.

Preparar e proteger

Reforma financeira não serve apenas para reduzir emissões; também significa proteger pessoas e infraestrutura já expostas a secas, enchentes e tempestades cada vez mais frequentes e mais graves. A meta acordada na COP 27 de destinar 50 % dos recursos climáticos a adaptação continua distante. Mas pode se aproximar caso tenha sucesso o roteiro Baku-Belém, liderado pelo Brasil para a COP 30, que propõe mobilizar pelo menos US$ 1,3 trilhão por ano em financiamento climático até 2025, de fontes públicas e privadas, com foco explícito em resiliência.

Reformar o sistema financeiro global deixou de ser um debate tecnocrático: tornou-se pré-condição para que o artigo 2.1-c do Acordo de Paris — tornar fluxos financeiros compatíveis com uma trajetória de baixo carbono e resiliência — saia do papel. Aliviar dívidas, rever critérios de alavancagem dos BMDs, simplificar garantias e criar incentivos fiscais são os complementares de um mesmo imperativo: destravar capital em escala e velocidade compatíveis com a emergência climática.

Sem esses ajustes, o custo da inação continuará socializado entre os mais vulneráveis, enquanto os benefícios do crescimento verde ficam concentrados. Com reformas corajosas — e a participação ativa do setor privado — é possível honrar acordos, acelerar a transição para uma economia de baixo carbono e preparar sociedades para um futuro em que eventos climáticos extremos deixam de ser exceção.

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